24.11.17

Junto à janela,sentada numa velha cadeira de baloiçar,oferecida num dia do seu aniversário há já muitos anos,olhava em redor,e os seus olhos já cansados fixaram-se na mesa onde tantas vezes tinha passado horas sem fim a escrever,sempre à luz do candeeiro de porcelana que pertencera à sua avó ou bisavó,perdera-se na história que tantas vezes ouvira da boca de sua mãe.Levantou-se sentindo as pernas trémulas,sem força, para darem uns pequenos passos sem a ajuda irritante da bendita bengala.Encaminhou-se devagar para junto da mesa e puxando um pequeno banco sentou-se.Relembrava a sua longa vida cheia de aventuras e desventuras. Agora recordava todos os tempos loucos que vivera,as alegrias próprias da juventude,a consciência da idade adulta,as crises da meia idade,as tristezas que depois vieram com o passar dos anos e a velhice e, principalmente a perda de tanta gente tão querida.A vida tinha-se tornado numa espera pela ida ao encontro dos que amava.Sentia que o tempo passava depressa demais para ainda poder fazer aquilo que queria,oitenta e muitos anos já não a ajudavam,pelo contrário só a irritavam mais aquela bendita bengala que não a podia largar,era pior do que ter um guarda costas,sempre atrás dela ou melhor à sua frente.Tinha dias em que já não se importava se fazia sol ou se chovia copiosamente mas outros apetecia-lhe ainda sair por essas ruas e observar tudo e todos,e então saía com toda a calma do mundo,como se fosse a primeira ou a última vez que o fazia.Nessas horas podia dizer que era feliz,ainda era feliz.Mal chegava a casa sentava-se na mesa do seu quarto e à luz do candeeiro,o tal de porcelana,escrevia alguns apontamentos como se fosse preparar um livro.Começar tudo de novo,deixar sair tudo o que lhe vinha à alma,ao cérebro,com paixão,alegria,enfim,deixar que a inspiração levasse as suas mãos,já um pouco trémulas,até à também velha máquina de escrever,companheira de tantas horas,tantos dias e noites,uma vida inteira.Olhou para as fotografias que estavam ali,bem perto dela,com tantos rostos amados e sorriu-lhes com um olhar malicioso.Não,ainda não era agora que ía ter com eles,ainda tinha muito para fazer.Só precisava de descansar um pouco e estaria pronta para mais um novo dia.Levantou-se altiva nos seus oitenta e muitos anos,dirigiu-se até à porta do quarto e chamando por Amélia,sua companhia há muito tempo ,pediu com voz doce que lhe trouxesse o chá com mel e limão,bebida que sempre tomava antes de dormir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário